"A minha vida é um vendaval que se soltou. É uma onda que se alevantou. É um átomo a mais que se animou... Não sei por onde vou, Não sei para onde vou - Sei que não vou por aí!" José Régio, in 'Poemas de Deus e do Diabo'

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A pele das palavras

Parte II

(A Ilha)

Tem vezes que fico por aqui, horas a fio, as imagens passando pelo meu cérebro à velocidade da luz, as palavras exactas na ponta dos dedos, na folha, toda em branco, apenas a certeza de que havendo tudo para dizer, na verdade não é hora das letras dançarem para os meus olhos sedentos de as acompanhar nessa melodia que é contar e falar coisas sobre a vida.

Uma música de saudade e incompreensão preenche o ambiente da sala e os meus pensamentos mais profundos, aqueles que permanecem eterna e exclusivamente nossos, direccionam-se de forma teimosa para as recordações que tento apagar, passados distantes e amores recentes, vidas passadas na certeza de que afinal, o presente e futuro, são variáveis que diariamente tentamos dominar mas que se esgueiram teimosamente por entre a incerteza das decisões que tomamos e as suas consequências.

De contradições percebo eu….percebo não! Eu afinal vivo, alimento-me, visto-me e ando em cima delas…Lembro-me, que ainda jovem imaginava 2010 como um ano demasiado longínquo para fazer parte dos meus planos de vida…hoje, às portas de 2011, buscando recordações e sentimentos de tempos tão divergentes, percebo o quanto nos enganamos ao projectar os anos futuros, o quanto somos ingénuos ao pensar, muitos anos antes, que muitos anos depois, cansados da vida, dos problemas, dos casos não resolvidos, da poluição inerente à velocidade com que o relógio conta o tempo, o nosso coração, cansado de pulsar dentro de nós, simplesmente pare e resignado se transforme de matéria em espírito.

Endireito-me na cadeira e vejo a folha em branco. Lá fora o sol esconde-se, o dia escurece rapidamente e em poucos minutos uma chuva torrencial desaba sobre a cidade. Bebo uma taça de vinho, a melodia da saudade paira no ar e as notas dançam à frente de mim como se de um desafio se tratasse. Acendo mais um cigarro, olho para o cinzeiro a abarrotar de uma imensidão de pensamentos que não consigo fixar no espaço e imagino as águas da chuva a inundarem a cidade e a encherem os rios, mesmo que eu mande garrafas com sos para todo o mar, de certeza que as palavras nelas contidas, nunca chegariam para derrubar a fronteira entre o vazio absoluto e a minha incapacidade real de perceber que se o universo se desintegrasse por falta de lógica, ainda assim a beleza do teu sorriso iria ser suficiente para perceber que afinal tudo valeu a pena – o chilrear dos pardais, as cores, infinitas do arco íris, a imensidão dos oceanos, o desabrochar das rosas, o dourado do nascer do sol para lá das montanhas, e a pureza do primeiro grito para a vida de um ser recém-nascido.

A chuva aumenta de intensidade e o barulho da água a bater no chão mistura-se com os sons da voz melancólica da cantora, clamando a saudade do seu amor através da memória da carne. O meu pensamento voa e de repente o teu sorriso soa pela primeira vez nos meus ouvidos. Busco-te rapidamente porque algo mudou em mim naquele momento…como se o meu universo de repente se desequilibrasse, a gravidade deixasse de existir e eu fosse condenado, exactamente a partir daquele milésimo de segundo, a andar por aí, vadio e eternamente a procura dele. Então, o feitiço da ilha, preso no meio do oceano a milhões de anos por entre as pedras solidificadas do fogo de revolta contra as profundezas da terra, liberta-se e explode no teu olhar, atravessa a minha carne e gruda-se nas minhas entranhas. Sorri, o meu olhar atravessou uma vida inteira para se cruzar com o teu e, através do universo castanho-escuro dos teus olhos, reparo que a ilha era vida verde em mar azul-marinho e que o tempo suspendeu o clicar do ponteiro do relógio algures pendurando numa parede. Por alguns momentos fomos só nós, eu e tu, a interrogação pairando e a certeza de encontros passados para lá das fronteiras da existência humana, tal como a conhecemos.

Olho pela janela e vejo as águas da chuva arrastarem os pecados da cidade. Não interessa o que procuram ou para aonde vão…interessa sim que agora arrastam consigo a minha folha em branco que rapidamente se desfaz em mil pedaços e se transforma também ela, em água, para alimentar as entranhas da terra.

Quem sabe, um dia, quando os nossos olhos se cruzarem outra vez na ilha do feitiço, exactamente naquele momento, chovam todas as palavras que a folha em branco leva agora consigo…

DC

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A pele das palavras

Parte I

(Talvez um dia, sentados a beira do rio, deslumbrados com a beleza dos tentáculos dourados do por do sol estendidos preguiçosamente desde o infinito do mar até aos nossos pés, eu te diga todas as palavras que nunca te disse e te conte todas as histórias que nunca ousei contar.

Talvez nesse dia eu tenha a sensação, com a tua mão entrelaçada na minha, de que milhões de anos ou de vidas já se passaram e que nós procuramo-nos repetidamente a mesma hora, no mesmo lugar, ao por do sol, para meditar em silêncio e procurar palavras e frases que ficarão eternamente para serem ditas)…

Escrevi para ti essas palavras um dia….hoje procuro escrever outras, da mesma forma, com o mesmo jeito e intensidade, olhando o quadro inerte, o pintor há muito se foi, só ficou a ideia da vida e do sonho impossível na mistura de cores teatrais umas vezes verde revelando a força e a esperança da natureza, outras vezes branco como a paz do teu sorriso, outras vezes ainda vermelho de sangue e vida como a tua alegria e finalmente negro como a escuridão, medonha e odiada mas também amada pelo luar e por todos os seus mistérios…

Não há que enganar…alguém o pintou porque eu vejo-o permanentemente, mudam as perspectivas e os centros de luz, alteram-se os reflexos e os espelhos, revertem-se as cores e as ideias mas tu continuas lá inerte ou com vida, que importa? …. Tu, a ilha, o rio, o mar e os deuses. Alguém me disse algures que o quadro na verdade foi pintado por um poeta apaixonado, que resolveu dessa forma eternizar a sua amada porque os seus versos, carentes de sentido e oportunidade, continuam vadios a procura-la desesperadamente, qual feitiço colocado eternamente na sua cruz, em todas as dimensões da vida, nos bares, no álcool e na boca e sexo de todas as mulheres do universo.

Tu, a ilha, o rio, o mar e os Deuses… e o poeta invisível para todo o mundo, sentado ao teu lado as eternas palavras fervilhando:

Tantas vezes penso em ti, no que poderia ter sido e não foi, em tudo o que ficou por dizer, em todos os abraços que não demos, em todos os beijos que adiamos…

 O rio continua ali, bem perto, a espera que a gente o encontre…o tempo parou no momento exacto em que entrelaçavas os teus dedos nos meus, encostavas a tua cabeça no meu ombro e ambos olhávamos as aguas correrem, uma vezes para  o mar, outras para o reencontro com os Deuses. Mas tu, de repente abandonaste os meus dedos, rejeitaste o meu ombro e eu continuo a procura de ti na fusão dialéctica do espaço e do tempo, entre o dourado da noite e o som de piano que a brisa arranca das flores, entre o sorriso sádico do piloto do supersónico anunciando a morte e o grito cortante do orgasmo rompendo o silêncio da noite anunciando vida nova, entre a minha inocência absoluta e a variável tempo, ela sim, culpada a milhões de anos por todos os nossos desencontros e por todos os nossos momentos, para além desta vida e da outra, ao pôr-do-sol, o nossos olhos dentro de nós e as nossas bocas prendendo as palavras que teimosamente atravessam desertos sem fim, no limiar da sede e da liberdade. Eu afinal não sou a causa! Sou também efeito das leis que gravitam ao redor da mentira que cultivamos século sobre século...

Os teus olhos deixaram de jorrar mel, teu sorriso amargou, as tuas palavras secaram, o teu espaço em mim, arrancaste-o como se eu, culpado de insónias tormentosas e pesadelos solitários, tivesse a condenação ali, pronta, ao teu lado, o teu dedo acusando-me e eu, apenas ansiando por ele entre os meus, procurando as águas do rio e o conforto do teu abraço…

Olho mais uma vez o quadro….Vejo que se fez noite e que o poeta invisível embrulha as minhas palavras e deposita-as em ti. Depois mergulha pelo rio adentro, seguindo as águas para lá do mar, mais longe que os deuses, a procura de ti sereia, meu amor impossível….

DC

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Apenas palavras

El Sol

A ti dedico este blog pela insistência em dizeres que as minhas palavras escritas, são bonitas de se ler…

Eu considero que não…com certeza, as palavras que escrevo não são bonitas…elas são apenas palavras…

Palavras de uma vida já longa, o suficiente para me perder inúmeras vezes, nos labirintos do tempo e das memórias….

Palavras de uma vida vivida de forma alegre e sofrida, o suficiente para me perder, inúmeras vezes, nos labirintos das recordações e do arrependimento…

Palavras de uma vida….isso, apenas palavras de uma vida… e assim acredito, fica tudo facilitado. Nunca pensei escrever sobre temas, conceitos preconcebidos, histórias de amor ou de ódio, acho que aliás, nunca pensei escrever sobre nada. Todas as vezes que o fiz, escrevi apenas sem compromissos de tempo, de lógica ou de interpretação imediata ou futura. As minhas palavras choram comigo as recordações dos velhos e novos fantasmas que continuam a atormentar as minhas madrugadas, sangram comigo todas as velhas e novas feridas que a vida não consegue sarar, sonham comigo a beleza e o romantismo da lua cheia ou o dourado do pôr-do-sol, aconchegam-me nos momentos de derrota e abraçam-me radiantes nos dias, poucos, em que os raios de sol parecem finalmente indicar-me o caminho, o tal que todos procuramos eternamente, nesta ou noutra vida, como homens ou extra-terrestres, nesta ou noutra galáxia.

Por isso, elas são apenas palavras, minhas palavras, pequenas letras que se juntam e se revestem, por vezes, de um sentido lógico. E o lógico aqui, apenas se refere ao sentido da estrutura e não à ideia que elas procuram, porque estas, circulam, vadias sem qualquer direcção previamente definida.

São estas as palavras, feias ou bonitas que eu vou colocar neste blog, palavras que vão reflectir apenas momentos da minha alma, instantes da minha vida, passada presente ou futura….pouco importa desde que sejam palavras, umas vezes escritas por instinto outras de forma reflectida… apenas palavras sobre mim, sobre as minhas entranhas, sobre o sangue que circula nas minhas veias, sobre o eu que existe em mim, sobre todas as causas e todos os efeitos, sobre a busca do tudo e do nada, em absoluto.

E….

El Sol, sempre que as leres e quiseres considerá-las feias ou bonitas, sorri apenas o teu sorriso maravilhoso e entorna em cima delas o mel do teu olhar…

DC